terça-feira, 23 de novembro de 2010

Férias

A simplicidade e a experiência de vida desta mulher, quase analfabeta, marcaram-me bastante. Pele em tons de chocolate, barriga proeminente e um sorriso do tamanho do mundo onde já faltavam algumas pérolas. A sua felicidade contagiava-nos. Tinha 5 cm de dilatação e cinco era também o número de filhos já criados. Previa-se que tudo seria rápido e, portanto, foi de imediato transferida para a sala onde nasceria o bebé. O seu andar era vagaroso e mirava exaustivamente todos os recantos. “Está com muitas dores?” “Não”, respondia com um ar patusco e acrescentava que de todos os partos este era o mais bonito. Percebi então que os anteriores tinham ocorrido na sua própria casa em Cabo Verde, uma humilde habitação com fracos recursos. A limpeza e a iluminação das instalações fascinavam-na. Não tinha consigo nenhum exame referente à gestação. O tom crítico dos nossos comentários acerca dos malefícios de uma gravidez não vigiada não a abalaram e, com toda a tranquilidade, justificou: “estou de férias”. Não é rara a vinda de grávidas africanas para Portugal algumas semanas antes do parto em busca de melhores cuidados médicos materno-infantis. Ironicamente, alguém alvitrou: “então veio ter o bebé em Portugal?” A frase que se seguiu deixou-nos estupefactos e enternecidos: “eu vivo em Odivelas mas estou de férias na Amadora”. Como pode variar o conceito de férias! De facto, a gravidez tinha sido acompanhada numa maternidade em Lisboa e os exames escrupulosamente efectuados. Um contacto telefónico e a cordialidade entre colegas, muito para além dos deveres institucionais, permitiu-nos aceder às informações necessárias. A maior satisfação ocorreu passados alguns minutos: um parto normal de um bebé saudável. A mãe, serena, comovia-se como se fosse a primeira vez.

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