O olhar apreensivo de Andreia devia-se a não sentir o bebé mexer há algumas horas. A gravidez tinha sido desejada e constituía motivo de orgulho para quem, do alto das suas 32 semanas, emanava um esplendoroso instinto materno. Não obstante ter cumprido todas as recomendações, uma corrente gélida trespassou o seu peito quando a enfermeira não conseguiu auscultar o batimento cardíaco do feto. Ao realizar a ecografia lancei a jovem num inexorável abismo de sofrimento. Morte fetal intrauterina: fatal diagnóstico que corrói os sonhos e dilacera a almejada vontade de ser mamã. Atónita, ouviu-nos dizer que teria de ficar internada e que iríamos induzir o parto. Embora correcto do ponto de vista obstétrico, este procedimento é pouco compreendido pois determina um percurso de dor sem culminar na felicidade suprema da mãe que beija o recém-nascido.
E assim foi. O útero reagiu à medicação e, a cada contracção, Andreia estremecia. A epidural apaziguou o corpo e, pouco a pouco, a dilatação progrediu. Aproximava-se o momento final. O marido pediu para não assistir ao parto.
Ao dispor o material na mesa de apoio pensei para mim mesmo: “calma; vai ser igual aos outros”. Andreia concentrava-se nas instruções dadas. Os esforços expulsivos polvilhavam de suor a sua face escarlate. “Força, Andreia!” quando no fundo queria dizer: “coragem!” A traição do cordão umbilical apertado em torno do pescoço denunciou a presumível causa da morte. Ambiente tenso. A enfermeira registou a hora do nascimento e, seguro nas minhas mãos, o bebé parecia perfeito não fosse o imóvel silêncio. Andreia respondeu que queria ver o corpo e, com a voz trémula, perguntou: “não estará apenas a dormir?” Ninguém respondeu e, por baixo da máscara, senti, velozes, gotas salgadas que brotavam da alma.
Despedi-me com um beijo na testa e desejei toda a força do mundo. Antes de virar as costas segurou-me a mão e perguntou-me “porquê?” Não sei.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
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